" A Académica ressuscitou "
Este foi o título de uma notícia do jornal Expresso de 18 agosto de 1984. Na altura, a Briosa exultava pelo regresso à identidade que esteve na sua génese. Associação Académica de Coimbra largava de uma vez para sempre o Clube Académico de Coimbra. Curiosamente, podia também ter sido a abertura de qualquer jornal, televisão ou rádio do dia 20 de maio de 2012. De outro jeito, é certo, mas neste dia a Associação Académica de Coimbra voltava a ser Briosa.
Era um domingo, como são sempre todos os jogos da final da taça de Portugal. Um encontro de amigos, de tradições e memórias disfarçadas de jogo de futebol. Este desporto que tanto gostamos tem destas coisas. Junta, une, gruda, liga e encaixa coisas e pessoas que, sem a sua colherada ou intervenção, dificilmente podiam acontecer.
Assim que o árbitro deu por terminado o jogo da meia final, com a União Desportiva Oliveirense, os telefones começaram a tocar e as conversas faziam eco por todo o país:
“Vamos?”; “Juntamos a malta toda?”; “Tens o número de quem?”; “Há tanto tempo que não te vejo…”; “Ainda tens a tua capa?”
Parecia que o tempo estava a voltar para trás. Os dias iam-se sucedendo até ao grande Domingo, no entanto o calendário percorria o caminho do “ó pa trás”. Eu chegava até 2003, outros até aos anos 90 e outras centenas recuaram até à década de 80. O F-R-A de Coimbra estava vivo e com vontade de festejar.
O 20 de maio chegou e aconteceu magia negra. As autoestradas foram inundadas de carros vindos de Lisboa, Porto, Bragança, Batalha, Santa Maria da Feira, Silves, Santa Comba Dão e, claro, de Coimbra. O preto era a cor de gala, de festa e de alegria.
A mata do Jamor assistia a reencontros com abraços, muitos abraços, e lágrimas, muitas lágrimas.
Todos chegaram cedo para aproveitar bem o tempo, relembrando histórias do passado em Coimbra. Segundo o que me pareceu, todas as frases começavam por “tenho saudades” e apenas mudava o final das frases.
Tenho saudades:
- dos convívios de Farmácia, da noite dos horários da FEUC;
- de ir ao Domingo ao DD;
- do cortejo, do Quim Barreiros, Do Pratas, do traçadinho.
- das grades do Couraça, dos finais de tarde no cartola.
E o fado? Tanto fado. “Capas negras de saudade, No momento da partida, Segredos desta cidade, Levo comigo pra vida”.
Chegou à hora certa e todos fomos para o estádio, afinal foi o nosso querido futebol que proporcionou tudo isto. Lá dentro, meio estádio estava vestido de preto.
A Mancha Negra, a claque da Académica, comandava os cânticos. Aliás, ensinava as músicas, mas ainda o aquecimento das equipas não tinha terminado e já todos sabiam as músicas de cor.
Começou o jogo! Já falei do calor? Que calor que estava! Cantámos o hino, o arbitro apita para começar e…
“David Simão. Pode criar perigo. Vira o jogo lá para a esquerda. É para Diogo Valente. Tira o cruzamento. Marinho…”. Foi assim que a Rádio Universidade de Coimbra, a nossa RUC, eternizou o golo que nos deu a taça. O Marinho tornou a festa perfeita!
E depois? Depois, o jogo terminou e fomos todos para casa felizes e cansados. Olhámos para a esposa, marido, filho, filha e netos e pensámos: “Gostava muito que também fosses da Académica”. Deitámo-nos com um sorriso e, na segunda-feira, lá no trabalho, contámos a todos como foi regressar ao passado: “A Académica está cá, no cantinho do meu coração, para sempre. Honra-me e orgulha-me ter feito parte daquela Associação. E que grande jogo de futebol foi.”
O futebol permitiu que, por um dia, a Académica tivesse ressuscitado. Mais do que nunca, o lema cantado pela Tuna de Medicina fez sentido: “Briosa se jogasses no céu, lá iria só para te ver”.
Este foi, em 34 anos de vida, o único dia em não desejei a vitória do meu Sporting Clube de Portugal. A explicação é simples. No 20 de maio de 2012, não se assistiu a um jogo de futebol apenas, assistiu-se a quem eu sou.
E para o futebol não vai nada, nada, nada? Tudo
E para a Briosa não vai nada, nada, nada? Tudo
Então com toda a pujança sai um F-R-A.