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Ep. 8 - "Benfica", a primeira palavra

Memória escrita por João Cotrim

6 de julho de 2020

Talvez faça sentido começar esta história pela minha primeira palavra: "Benquica”. Contaram-me os meus pais porque como é óbvio eu não me recordo. Os meus pais eram e são agnósticos no que toca a futebol. Por isso foi uma surpresa quando perceberam que a minha primeira palavra foi: “Benfica”. Na altura ambos trabalhavam de manhã à noite e eu ficava durante o dia na casa da ama, a Tia Adelaide, uma casa de benfiquistas. Portanto a conclusão a que chegaram é que teriam sido o Tiago e o Gonçalo Cadete, filhos da tia Adelaide e do tio José Maria, os responsáveis pela minha primeira palavra. Foram eles que colocaram a semente do meu fanatismo pelo Benfica.

Eu não tenho memória do dia em que disse a minha primeira palavra. Nem sequer das dezenas de vezes que eles a terão repetido até que eu a proferisse. Não sei se eles se lembram de me terem ensinado, se terá sido obra dos dois ou de apenas um deles. O que me lembro, o que tenho bem guardado na memória é o ritual familiar que acontecia em dias de jogos transmitidos na TV. No início dos 90 não havia Sport TV e apenas um jogo por jornada era transmitido na RTP1. Ia rodando entre Porto, Benfica e Sporting, ou seja, davam cerca de 11 jogos do Benfica por ano. Lembro-me do Tio Zé Maria, do Tiago e do Gonçalo sentados no sofá. Lembro-me de estar ali no meio deles. Da Tia Adelaide fazer sandes para comermos a ver o jogo, que o Tio acompanhava com uma cerveja. E ali estávamos duas horas a ver as papoilas saltitarem no ecrã da TV. Eu teria 3 ou 4 anos, não percebia patavina do que se passava em campo. Mas foi ali, naquela casa que eu percebi o que era a mística do Benfica. Foi isso que fez com que aos 9 anos, decidisse de uma vez por todas que era do Benfica. Até aí tinha algumas dúvidas porque também tinha alguns amigos que me tentavam puxar para o Sporting. Até o meu Pai tentou. Lembro-me que ele tinha um pequeno tijolo com o símbolo do Sporting guardado numa gaveta, juntamente com um antigo cartão de sócio. Apesar de ele não ser fã de futebol, chegou a ser sócio do Sporting durante algum tempo para usar as instalações desportivas. Mas, lá está, foi fácil escolher o Benfica porque eu olhava para os Sportinguistas que conhecia e não via aquela paixão que via nos Benfiquistas. Ser, só por ser, não valia a pena. Como diz o Miguel Esteves Cardoso o Benfica não se gosta, só se ama. Hoje sei que não é assim porque conheço benfiquistas que são por ser e adeptos de outras cores que amam o seu clube.

O Benfiquismo continuou a crescer com dias inteiros a jogar à bola com o David Maio e com o Mário Ferreira. Lembro-me do Mário ir várias vezes ao estádio antigo e de eu ficar fascinado. Apesar de ser benfiquista, ainda não tinha aprendido a apreciar um jogo de futebol e era raro ver jogos. Nem sequer fazia ideia a que dia ou a que horas jogava o Benfica. Recordo-me duma vez assistir a uma primeira parte dum jogo. Estava 0-0 ao intervalo e eu fui dormir. No dia seguinte, ao ver o telejornal, fiquei a saber que o Benfica tinha vencido por 5-0. Lembro-me de ter ficado triste por ter visto apenas a pasmaceira da primeira parte. Em 1999, eu tinha 11 anos, o Porto sagrava-se pentacampeão e o Jardel voava entre os centrais. Depois em veio o Schmeichel e em maio de 2000 terminava o jejum do Sporting e eu percebia porque é que eles não ficavam em casa. Entretanto chegou o Euro 2000 e algo mudou. No primeiro jogo da seleção, estávamos a perder por dois com a Inglaterra. Figo reduz, João Pinto empata e Nuno Gomes confirma a reviravolta. Vibrei tanto com aquilo que passei a ver todos os jogos da seleção. E a partir daí comecei a acompanhar todos jogos do Benfica. Quando não podia ver, ouvia o relato. Portanto, a primeira época que acompanhei do início ao fim foi a 2000/01. Ficámos no 7º lugar, a pior classificação de sempre do Benfica, e Boavista campeão. Em 2002, Jardel e João Pinto, levaram o Sporting novamente ao título e em 2003 o Mourinho pegou no Porto e não deu hipóteses a ninguém conquistando o campeonato e a taça UEFA. Em 2004 sobem a fasquia e conquistam também a liga dos campeões. Resumindo, antes de celebrar um campeonato com o Benfica, tive de ver o Sporting ser campeão passado 18 anos. O Boavista fazer história e ganhar o seu primeiro, o Porto a ganhar o Penta e a Europa. Mas antes disso, pelo caminho, aconteceu outra coisa ainda mais importante para mim. A 9 de Maio de 2004 o Benfica defrontava o União de Leiria na última jornada do campeonato. Na altura, a última jornada não tinha transmissão televisiva, portanto a única maneira de ver o jogo era ao vivo. O estádio estava cheio, cerca de 63.434 pessoas estavam na Luz, e entre elas estavam o tio Zé Maria, o Gonçalo, o Tiago e eu, que com 15 anos ia pela primeira vez ao estádio.