A minha caminhada até à mesa de voto é um desfile de nostalgia. O sintético onde fiz o primeiro jogo como delegada, as paredes que outrora se enchiam de declarações de amor, o velhinho Laranjeiras demolido a dar espaço a novos sonhos.
Estacionei o carro apontado à bancada, mesmo em cima do sintético onde vi aquele miúdo endiabrado do F.C. Porto fintar adversários e fazer golos de longas distâncias. Se recuasse no tempo estaria ele a cruzar precisamente o espaço do meu carro. Teria quê, uns 8 anos? Uns 8 anos, cabelo à João Pinto e capacidade de produzir jogadas que resistem ao tempo.
À minha frente a bancada onde passei uma infinidade de horas entre centenas de treinos e jogos. Cúmplice das pequenas mentiras à mãe:
- Deixa-me ir, mãe. Deixa-me ir! Prometo que depois vou à missa das 12h. Só quero ver o jogo das 9h. O jogo das 9h é que é importante.
O problema é que às 11h45, o segundo jogo da manhã já se tinha tornado igualmente importante. Estava sempre amarrado ao intervalo, mesmo que uma equipa levasse três golos de avanço sobre a outra.
Desculpa, mãe, mentir não é bonito, mas vês? A missa continua, está no mesmo sítio, à mesma hora para quem lá quiser ir. Já o sintético...desapareceu. As bancadas são apenas blocos apáticos de cimento. Os meus amigos que vestiam todos os sonhos do mundo enquanto driblavam adversários e me faziam sentir parte da equipa, já dispersaram. Alguns só lhes perdi o rasto, outros perdi-os de vez.
Terra chama Márcia. Terra chama Márcia.
Ligo o carro. Inversão de marcha mesmo em cima da linha imaginária do meio campo. Vem-me à memória que quem me ensinou a conduzir, também me ensinou a lidar com placas de substituição, a desenhar os números com os dedos quando a ansiedade me toldava o raciocínio. Meto a primeira, o carro avança para fora do antigo sintético. Saio e deixo o passado em campo. Votei há 40 minutos. Foi rápido, indolor. Pudesse dizer o mesmo deste síndrome de nostalgia.