Estávamos em 2016, ano de glória para os nossos irmãos lusitanos. A empresa com a qual eu trabalhava na altura, lidava com várias financeiras, financeiras essas que de acordo com os objetivos cumpridos ofereciam viagens e outros prémios aos colaboradores. Ora, a minha empresa foi premiada com uma viagem de um dia a Lyon para assistir ao jogo Hungria - Portugal, com tudo pago. Ou quase tudo.
E lá fui eu sozinho. Tive de viajar até Lisboa de comboio porque o voo partia de lá.
Dormi muito pouco, lembro-me que o voo era muito cedo, às 6 horas da manhã julgo. É importante dizer, para contextualizar toda esta história que isto aconteceu numa altura em que não havia muita folga financeira, fator que dificulta sempre uma estadia fora de Portugal.
Chegado a Lyon, aproveitei a oferta de uma tour pela cidade durante a manhã. Tudo muito bem explicado em francês, que é claramente a minha língua de sonho. Aliás, eu desde aquele “alô alô petite demoiselle” que domino completamente a língua do Napoleão. Mas pronto, foi uma manhã engraçada.
Depois da aventura matinal seguiu-se a paragem para almoço - que não estava incluído na oferta da viagem - o guia disse-nos:
- “A cidade é atravessada por um rio. Do lado esquerdo encontram a zona Fan Zone.” Ou seja, a zona onde têm a animação dos adeptos, todos os bares, tascos, restaurante que tentam basicamente extorquir todos os adeptos.
- “Do outro lado da margem, caminham um bocadinho e já encontram os restaurantes que praticam preços normais.”
Ora, como é lógico, eu arranquei para o lado mais barato, sozinho, sem conhecer a cidade nem saber falar francês. Fui passando pelos restaurantes e como não sabia pedir coisa nenhuma, ia olhando para as mesas, vendo o que as pessoas estavam a comer. E quando, finalmente, vi alguém a comer um bitoque ou coisa género, assim qualquer coisa simples, batata frita, um ovo e carne, sentei-me numa mesa perto. Esperei para ser atendido pelo “garçon” e quando o “garçon” chegou, eu pedi num clássico francês uma “beer” e apontei para a mesa do senhor do bitoque. Ele percebeu, trouxe-me a comida, eu comi e paguei. E pronto, foi assim que consegui ser feliz à hora de almoço em Lyon.
Após o almoço o autocarro chegou para apanhar os adeptos que iam para o jogo. Pelo caminho ainda parámos para ver o antigo estádio do Lyon e lá seguimos para o jogo. Tivemos de sair basicamente em Braga e caminhar até o Porto, porque aquilo ficava mesmo muito longe.
Pelo caminho comecei a ver muita gente de cachecol, muitos húngaros. Lembro-me de ver muitos adeptos como o guarda-redes da altura. Não sei se vocês se lembram, era o Király. O grande Király que jogava com uma espécie de calças de pijama incríveis, então os adeptos vestiam-se assim a apoiar a Hungria. E assim foi a minha chegada à Fan Zone em que basicamente era uma pessoa triste, solitária que não conhecia ninguém,
Já próximo da hora de jogo, começou a apertar a fominha outra vez. E lembro-me de meter a mão no bolso a ver quanto dinheiro tinha e de pensar: porra esta cena era toda paga pela empresa - não vou fazer publicidade - era a Cételem, mas era fixe se comesse mais alguma coisa. Então juntei os trocos e fui a uma rulote pedir uma cerveja e um cachorro simples. Em inglês como é lógico. Os franceses fizeram má cara, mas atenderam-me. Eu comi e paguei uns modestos - dezasseis ou dezoito euros. E sorri para a senhora como se fosse normal eu pagar aquele dinheiro por um cachorro e uma cerveja. (Mas estava envergonhado.) E segui para o estádio desolado porque me sobravam só uns trocos. Também imaginava que não ia gastar mais nada naquele país.
Chegado ao estádio. Ah! Esqueci-me de referir a minha indumentária. Eu como fui basicamente de férias para lá - um dia! - ia de calção, um belo calção de fato de treino, uma excelente camisola sem mangas e levava uma mochila às costas. A isto junta-se este cabelo todo. Ou seja, uma excelente pedinte. De referir o cabelo também e a cara, com mau aspeto. Mas pronto, olhei para o meu bilhete e comecei à procura da minha porta.
Encontrando a porta do estádio percebi que a minha porta era diferente das outras todas. A minha porta tinha duas raparigas da Emirates, uma de cada lado, com uma presença bem melhor que a minha, um tapete vermelho no chão e era uma entrada em que não era ao nosso nível. Ou seja, nós entravamos e éramos logo encaminhados para um elevador. Eu fiquei logo a pensar na coisa... Suspeitei que aquilo não fosse para mim. Decidi fingir que aquela porta não era minha e continuei o caminho a ver qual era o número da seguinte. Percebi logo que o número da porta seguinte não tinha nada a ver com o que eu tinha no meu bilhete. Então a minha era mesmo aquela “xpto”. Entrei na “xpto” e lá fui eu encaminhado para o elevador
Ia com aquele mau aspeto e as pessoas recebiam-me como se eu fosse o Cavaco Silva. Oferecem-me uma bola oficial do Euro e a parte mais incrível foi que eu não entrei logo para a bancada. Entrei para uma zona de camarotes, em que podia comer e beber... à vontade. Comer e beber à vontade. Relembro, um português em França para ver a bola e que podia comer e beber à vontade. Não conhecia ninguém e podia comer e beber à vontade. Reforço: comer e beber à vontade a ver a bola.
Chegados uns vinte minutos antes do jogo tentei comer e beber o máximo possível, à vontade antes da parte dos hinos. Depois dos hinos corri para a minha zona da bancada que era uma central mesmo ali à beira dos Xeques todos, gente com fatos incríveis, o melhor que poderia haver e eu de camisola de alças e fato de treino, mochila às costas e esta bela apresentação. Sentei-me todo contente a cantar os heróis do mar como se merecesse realmente estar ali.
Posteriormente, o jogo começa. Era o último jogo da fase de grupos, Portugal não podia perder. Aliás, Portugal era obrigado a ganhar à Hungria para poder passar em primeiro ou segundo. Se bem que neste euro houve ali umas facilitações então passaram não sei quantos terceiros. E o jogo vai para intervalo com 1-1, golo do Nani, salvo erro. E eu pensei: “Ora intervalo, vamos lá embora para o camarote.” Porque sou tuga estou em França e posso comer e beber à vontade sem que ninguém me chateie.
No intervalo tinha menos fila de espera podia comer mais, podia esperar menos. Podia beber mais, podia esperar menos. E estava muito, muito feliz. Fui bebendo, comendo, bebendo, comendo. Olhava para as televisões e via o resumo da primeira parte. Estava satisfeito, estava 1-1, Portugal estava por cima. Em princípio ia dar para nós, precisávamos só de marcar mais um. O Király já tinha para aí 140 anos, estava na baliza de pijama. Tínhamos o Ronaldo, portanto... Tinha tudo para dar para nós … E eu estava a comer e beber todo satisfeito.
Ora enquanto estava a comer e a beber, a comer e a beber, a comer e a beber, esqueci-me que os intervalos só têm 15 minutos e distraí-me um pouquinho. O que me fez comer e beber para além do reinício da segunda parte e só percebi que o jogo tinha começado quando o estádio todo gritou: Golo!, de forma efusiva.
E o que é que deu? Eu perdi …. somente… ao vivo… no estádio… o golo de calcanhar do Ronaldo contra a Hungria. Não sei se vocês estão bem a recordar esse momento, mas é um momento do caraças.
Estava a comer e a beber… à tuga… um palito na boca e alça e a dizer: “Oh.. oh mais um, mais um copinho, mais um copinho”. E só vi o golo na televisãozinha que tinha no camarote. Corri para a bancada e retomei o jogo que acabou por terminar 3-3 e ditar basicamente o nosso afastamento do Euro. Nós saímos de lá na mesma felizes. Aliás, eu! – eu saí de lá na mesma feliz porque relembro tinha bebido bastante. Já junto à comitiva “tuga” de regresso ao aeroporto, discutíamos se Portugal iria passar ou não. Era o último jogo mas ainda haviam aquelas possibilidades dos melhores terceiros passarem e tal. Então o que é que deu? Entrámos no avião depois do jogo com mais golos do euro. Sim! Eu fui ver o jogo com mais golos do Euro em que Portugal foi vencedor. Eu estive lá! Só não vi o golo de calcanhar do Ronaldo porque estava a beber, mas,... mas pronto… Eu estive lá. Retomando... entrámos no avião para regressar a Portugal já perto da meia noite, sem saber se a seleção tinha passado ou não. E a parte incrível é que durante o voo, durante aquela uma hora e meia, ou coisa do género, viemos todos a imaginar os possíveis cenários para a seleção. Quando chegámos a Lisboa festejámos! Portugal passou! Como um dos 4 melhores terceiros ou qualquer coisa assim. Não sei quantos terceiros foram, mas nós passámos e foi aí que se desenrolou o nosso caminho para sermos campeões europeus e para cumprirmos com o que Fernando Santos nos tinha dito: voltar no fim do europeu com a taça!