Tenho uma visão apaixonada do futebol. Inspirada por Eduardo Galeano, gosto de entrar num estádio e deixar-me contagiar pelo ambiente, de vibrar com a beleza ou intensidade do jogo. Grande parte das vezes, tal como dizia o escritor, sem me importar com a equipa que o protagoniza ou com os "negócios" que o rodeiam.
Este amor que surgiu com cores azuis e brancas não tem data de início. Veio das histórias do avô, empolou-se com os relatos dos jogos dos colegas e começou a ganhar forma com uma equipa de benjamins, onde me estreei como diretora. Um dia, porém, o amor à camisola deu lugar a algo maior: ao prazer pelo jogo e essa data está bem marcada. 30 de abril de 2013, o dia em que rumei sozinha a Madrid para assistir a um Real Madrid - Dortmund, meias-finais da Champions.
Bem, recuemos um pouco para efeitos de contextualização. Eu que tinha sido diretora desportiva durante 6/7 anos no União Sport Clube de Paredes, e depois de ter passado pelo um estágio empolgante no Rio Ave F.C., estava meia adormecida para o futebol, e dedicava-me 100% ao palco onde vivia a experiência de ficar em cena 5 meses com um musical no Porto.
Num outro palco, bem desejado pela comunidade futebolística, uma dupla portuguesa ainda me fazia colar os olhos ao ecrã: José Mourinho e Cristiano Ronaldo. Os dois melhores do mundo, portugueses, juntos num clube histórico! Pois bem, e falemos de literalidade, não é preciso ser-se um escritor para perceber que todas as histórias, mesmo as muito razoáveis, precisam e servem-se de um ingrediente essencial: conflito. Ora, não bastava ter os dois colossos do futebol português a conquistar a comunidade internacional num clube histórico, não! Era preciso mais. Para adocicar a história era preciso que estes dois astros, juntos, colidissem. E, se bem se lembram, assim foi. Era sabido que os dois não ficariam por muito mais tempo no clube, não precisava que um visionário me dissesse, estava à vista de todos e eu sentia que não podia esperar que a banda se separasse para ver o concerto. Queria apanhá-los, aos dois gigantes portugueses, juntos no Real Madrid. Num ato meio louco comecei a procurar datas que não entrassem em choque com o meu trabalho. Encontrei uma: 30 de abril de 2013 - meia final da Champions League no Bernabéu, com outro colosso do futebol de seu nome Klopp, desculpem - Borussia Dortmund! Desculpem, devia ter dito com dois colossos do futebol!
Desafiei os colegas para embarcarmos numa aventura rumo a Madrid. Nós tínhamos espetáculo no dia 1 às 17h, folga no dia 30, por isso era possível. Tínhamos um avião a sair de madrugada de Madrid, por isso, sim, era arriscado, mas possível. Bem... O entusiasmo pegou. Começámos a sonhar. Os dias passaram... o sonho morreu. Eu que já tinha assumido que ia tivesse companhia ou não, já não podia voltar atrás. Já era uma questão de orgulho, percebem?
Então começou a procura por voos baratos, hostel, bilhete para o jogo e claro, a preparação da mentira aos pais que achavam que ia acompanhada. Eu tinha 24 anos, já era crescidinha. Mas acompanhem o meu raciocínio: "Olha mãe, vou a Madrid sozinha ver um jogo. Vou num dia e venho no outro, só lá vou mesmo fazer isso. Sim, mãe sozinha." A minha mãe já tinha suportado muitas ideias parvas que envolviam futebol, mas esta na altura era um bocadinho demais.
Bem, a coisa deu-se e lá fui eu sozinha a vibrar de excitação. No dia 30 de abril, quando antes do jogo visitei o estádio e comecei a descer a escadaria da bancada, avistando pela primeira vez aquele relvado e estádio abismal, o meu coração disparou. Eu sei, eu sei. Isto tudo parece um disparate, eu sei. Mas imaginem entrarem no vosso teatro de sonho, naquela sala de concertos, no carro do Schumacher. Eu não sei, honestamente não sei qual é o correspondente a isto! Sei que não vos minto. A esse momento juntaram-se um hino de milhares de vozes a gritarem "Si se puede", (interrompido pel)o hino da Champions e os abraços aos desconhecidos que me rodeavam num jogo que quase teve uma reviravolta histórica.
Esses 90 minutos, que me custaram muito! - vamos apontar para os 3 dígitos - despertaram uma paixão tal que ainda hoje me emociona. (Tão dramática, eu sei).
História gira - lembram-se de ter dito que tinha espetáculo no dia 1 no Porto às 17h. Pois bem, não podia perder o avião das 6h30 ou 7h30 julgo, por nada deste mundo, ainda assim o meu corpo decidiu pregar-me uma partida gira. Acordei às 5 horas da matina com a minha digestão parada, arrastei-me ao café mais próximo para tentar comer alguma coisa. Acabei sozinha sentada num passeio em Madrid a vomitar como se não houvesse amanhã. Mas a história teve um final feliz, apanhei o avião e fiz o espetáculo como se nada se tivesse passado!