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EP. 5 - Futebol: um legado familiar

Memórias de Liliana Castro

12 de junho de 2020

A bola é coisa de pai e filha.

Lembro-me de gostar de bola desde miúda. Lembro-me de ser a única a jogar com os rapazes, nos intervalos das aulas, de ser a primeira a ser escolhida para as equipas. Tenho uma memória distante de um olheiro do Leixões falar com os meus pais para me deixarem integrar a equipa feminina - não me recordo dos detalhes e acredito que parte do que me lembro pode ser uma invenção da minha vontade de que fosse realidade. Não joguei no Leixões, nem em nenhum outro clube de forma profissional, mas o amor à bola continuou presente.

Lembro-me de ir ao estádio com o meu pai. Ditou a sorte que o meu pai se afastasse dos gostos do meu avô e ao invés do Boavista, escolhesse o azul e branco para clube do coração. Essa opção passou para mim - e consequentemente para toda a família. Somos uma equipa de azuis e brincamos muitas vezes a dizer que não podia ser de outra forma. Tenho uma família de lutadores, de pessoas dedicadas que trabalham diariamente para serem melhores (pessoas), para darem o melhor aos seus e, à semelhança do nosso clube, para manterem a resiliência de que podemos sempre ganhar na vida - basta trabalhar para isso.

Acho que já perceberem que o meu coração é azul e branco, cores do Futebol Clube do Porto. Somos felizes com esta escolha, embora às vezes sejamos atraiçoados pela falta de conquistas do clube que nos últimos anos tem pregado algumas partidas aos adeptos. Apesar disso: lembro-me de gostar de bola desde miúda e de usufruir desse gostar com o meu pai.

Íamos às Antas como quem ia à feira popular. Eu e ele, de mão dada pelo meio do trânsito até chegar à nossa porta. Aí, já sabia o truque: ficávamos em fila, eu, ainda pequena, perdida no meio da multidão de pernas a caminhar, passo a passo. O meu pai, atento, à espera do momento certo. Ao chegar ao torniquete, o meu pai elevava-me zás, ele rodava como um só e era como se fôssemos apenas uma pessoa - coisa de pai e filha. Se calhar não devia dizer que durante anos a fio assisti a jogos do nosso Porto “à socapa”, sem bilhete, sentada no colo do meu pai, mas as recordações são feitas de coisas que não se dizem em voz alta - pelo menos não muitas vezes.

Com o meu pai assisti a vitórias, empates, derrotas e derrotas épicas (ainda me lembro de um FC Porto x Real Madrid, nas Antas, em que nos primeiros 5 minutos ganhávamos 2-0 e que acabamos o jogo a perder por uma mão cheia deles - já não consigo precisar quantos). Lembro-me de ver jogos para o campeonato, para a Champions, para a UEFA… Lembro-me também de festejar a Taça UEFA em casa, naqueles últimos minutos loucos que nos fizeram tremer de medo e gritar de alegria. Nessa noite também festejei no colo, da mesma forma que entrava no estádio.

Uma das últimas recordações que tenho, de ir à bola com o meu pai, foi a inauguração do Estádio do Dragão. O meu pai andou semanas a matutar no assunto. Vamos? Não vamos? Até gostava mas os bilhetes são caros. Ainda não esgotou, aguardamos mais um pouco. Pode ser que aquele amigo (que tinha lugar anual) nos arranje uns bilhetes que sobrem… Tal não aconteceu e então, (o meu pai sabia bem o que eu queria), pumbas, gastou o dinheiro que ambos sabíamos que era demasiado. Se bem me recordo foram 90€ cada bilhete - acho que ainda o tenho guardado. Fomos e foi épico. Foi o tipo de recordação que se guarda - e mais tarde se partilha. Poderei dizer para sempre que estive no primeiro jogo do Dragão, junto à relva (ainda sinto o cheiro), no primeiro jogo do Messi na equipa A do Barcelona. No primeiro grande momento naquela casa, que é, para muitos, a segunda casa.

Contudo, o tempo passa, as pessoas crescem, os gostos mudam. Continuo a gostar de bola, vou menos vezes ao estádio. O meu pai adotou a postura de pessoa ponderada: adora futebol, vibra com o jogo, mas ninguém lhe tira o conforto de ver em casa. No meio de tudo isto, o meu irmão é 11 anos mais novo do que eu e mais emocional. Adora o azul e branco, tem lugar anual, registou no corpo, para sempre, que o seu coração bate com aquelas duas cores.

Pai, parece que tens quem te siga as pisadas. No futuro, há de ser ele a levar a filha ao colo para a festa que é celebrar o nosso Porto.