“Rola a bola, roda o mundo. Desconfia-se de que o sol é uma bola de fogo que durante o dia trabalha e à noite brinca lá no céu, enquanto a lua trabalha, embora a ciência tenha dúvidas a este respeito. Está provado, no entanto, e com toda a certeza, que o mundo gira em torno de uma bola que gira: a final do Mundial de 1994 foi vista por mais de dois mil milhões de pessoas, o público mais numeroso de quantos se reuniram ao longo da história deste planeta. A paixão mais partilhada: muitos amantes da bola jogam com ela nos relvados e nos baldios, e muitíssimos mais integram a plateia televisiva que assiste, a roer as unhas, ao espetáculo oferecido por vinte e dois senhores em calções que perseguem uma bola e que, aos pontapés, demonstram o seu amor.”
Eduardo Galeano, Futebol ao sol e à sombra, Antígona
Galeano estaria longe de imaginar que um dia, a bola pararia de rolar e que as suas histórias, as suas memórias, seriam o porto de abrigo para os que têm o futebol como paixão. Foi ao legado literário que nos deixou, que eu recorri, quando de repente, me vi sem o meu vício preferido. A minha paixão pelo futebol é motivada por muitos fatores, mas sem dúvida que o desconhecido é o que mais me atrai, assim os jogos que muitos canais desportivos têm transmitido, por muitos fascinantes que possam ser, não me agarram. Porque já lhes conheço os finais. E se é verdade que gostamos de ler e reler as nossas histórias preferidas, também é verdade que gostamos de as intercalar com histórias novas.
Assim nesta quarentena, quando me vi sem jogos, mergulhei nas histórias do meu cronista preferido. Li muito. Fui à procura de coisas novas, mas não chegou. Um dia, dei por mim a pensar: o que eu precisava agora era de uma história da bola para adormecer. Sabem como os nossos avós e tantos outros senhores que conhecemos, gostam de estacionar o carro ao sol e adormecer ao som do relato? Era essa a sensação que eu procurava. Sentia-me uma espécie de viciada, sem nada que atenuasse os efeitos da abstinência. Foi então que decidi ir à procura de histórias. De memórias bonitas que tinham o (bom) futebol como protagonista. Entre conversas por vídeo chamada ou testemunhos escritos, fui ouvindo e recolhendo histórias de adeptos, jogadores, treinadores e assim sossegando o vício da bola.
Histórias da bola para adormecer é então o resultado destas conversas, desta troca de memórias. E se a princípio me preocupava com a formatação, em estabelecer regras de uniformização, à medida que fui ouvindo estas histórias, fui deixando as regras literárias de lado e acabei por deixar que paixão assumisse o comando. Assim, as histórias que ouvirão serão narradas por mim, mas terão muitos rostos sempre devidamente nomeados. Tentarei sempre que possível narrá-las na primeira pessoa para que mais facilmente possam viajar até aos lugares onde foram vividas.
A partir desta semana, às terças, quintas e domingos trago-vos uma pequenina memória para nos lembrar que o futebol se faz sobretudo de histórias bonitas. Há histórias mais longas capazes de nos transportar para um jogo, para uma experiência teleguiada num estádio, e memórias mais curtas de momentos que foram marcantes para alguém. Até aqui um objetivo foi já cumprido: falámos de bola, ouvimo-nos sem nos preocuparmos com as cores que cada um defendia. O segundo objetivo? Atenuar os efeitos deste isolamento, para quem tal como eu, não se vê sem futebol e uma boa história.
Terças e quintas em homenagem às ligas europeias e domingos, porque toda a gente sabe que domingo é dia de ir à bola.
Na quinta apresento-me e trago-vos a primeira história!
Até lá!
Continuo a querer ler e ouvir as vossas histórias, escrevam-me se as quiserem partilhar.